“Eles serão uma só carne” (Gn 2,24)
O verdadeiro pecado é transgredir o sonho de Deus
Quando lemos o Gênesis, sobretudo nos dois primeiros capítulos que trata da criação e, de maneira especial do homem e da mulher, nos deparamos com um relato cheio de poesia com a imagem do oleiro amoroso que molda suas criaturas do barro. O livro, escrito no séc. IX a.C. apresenta o ideal de casal segundo os moldes de Deus. Constituídos em igual dignidade, homem e mulher, diferentes em sua maneira de atuar e ver o mundo, são destinados a edificar um projeto comum de vida.
Porém, no relato do Evangelho de Mc 10,2-16, nos deparamos com a realidade de milhares de casais que vivem o drama da separação. Os fariseus ardilosos querem provocar Jesus perguntando se é lícito o homem divorciar-se de sua mulher. Devemos entender que não se trata aqui do conceito de divórcio moderno, mas da situação da mulher judia na época de Jesus controlada pelo homem. Segundo a lei de Moisés, o homem poderia romper o contrato e expulsá-la de casa, mas ela não podia fazer o mesmo, o que nos parece injusto dentro de nossos moldes atuais.
Jesus não entra nas questões dos rabinos, mas os convida a voltar ao sentido original da vocação matrimonial. Esta lei machista, imposta pela dureza do coração de quem vê na mulher um objeto de uso e de propriedade, é tratada por Jesus severamente, pois o Mestre entende o casamento como comunhão, se uniram para ser uma só carne, uma só alma. Isto destrói completamente as leis dos patriarcas e dá o real valor ao que é sagrado.
Com isto, podemos afirmar que nem toda lei dada aos homens, parte de Deus, pois “colocar a lei antes da pessoa é a essência da blasfêmia” (Simone Weil). Jesus é mais fiel ao Espírito que “nos ensina a usar a nossa liberdade para proteger o fogo e não para adorar as cinzas” (G. Mahler) do que à letra que oprime. Ele quer reacender o desejo pela vida e renová-la. Deus não legisla e sim cria. Deus é “aquele que junta”.
O adultério está muito mais no coração, pois ali começam os maus desejos do que no ato externo. O verdadeiro pecado é transgredir o sonho de Deus quando a falta de compromisso com a unidade relega o amor ao segundo plano.
Paz e bênçãos!
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