Dom Geremias: “o povo quer ser ouvido”
Confira entrevista exclusiva do presidente da CNBB - Regional Sul 2
Por Sandra Nassar e Cristiane Dubena. Fotos: Joka Madruga
Reeleito no último dia 14 para a presidência da Reginal Sul2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com maioria dos votos, dom Geremias Steinmetz, arcebispo de Londrina (PR), falou com exclusividade ao Fraterno 72 sobre o trabalho para os próximos quatro anos, o Sínodo 2023, os desafios e algumas das questões polêmicas que envolvem a Igreja, como a presença das mulheres, abusos sexuais e o clericalismo. Confira a íntegra da entrevista:
F72: Como o senhor recebeu a reeleição para a presidência da regional? Oito anos é um bom período para concluir o trabalho iniciado?
Dom Geremias: Havia a possibilidade de continuar na função, até porque há esse costume na regional, de reconduzir seus integrantes aos cargos eletivos quando é feito um bom trabalho. Considero oito anos um ótimo tempo para se trabalhar. Foi um trabalho intenso que eu acompanhei em Curitiba nesses quatro anos, participando de reuniões, ajudando na tomada de decisões pela secretaria-geral e tratando de assuntos administrativos que vinham se arrastando já algum tempo e de outros que têm movimento permanente, como por exemplo a Missão São Paulo VI, um trabalho de evangelização em Guiné-Bissau, África, que também envolve a área da saúde. Outra questão importante é a produção de materiais de evangelização, que temos a responsabilidade de produzir aqui e enviar para todo o Brasil. Esses elementos, somados à representação da Regional Sul 2 junto à CNBB nacional, de certa forma levaram os bispos a desejar uma certa continuidade no trabalho. Então, seguiremos na mesma toada dos últimos quatro anos e assim vamos crescendo nesta questão da unidade, caminhando juntos, na sinodalidade, mesmo com os desafios que temos pela frente, não só em nível regional, mas também os relativos à própria CNBB.
F72: Já que o senhor falou em sinodalidade, como está caminhando a Igreja do Paraná? É uma Igreja em saída, como pede o Papa Francisco?
Dom Geremias: A Igreja no Paraná tem uma tradição muito grande de ouvir muito as lideranças. Eu me lembro quando ainda seminarista das tradições da diocese de onde venho, de reunir em assembleias diocesanas as comunidades, paróquias, padres e leigos, às vezes 300, 350 pessoas, e sempre no final se chega a uma síntese da realidade. Isso é um pouco o caminho da sinodalidade. E precisamos ouvir cada vez mais as pessoas. O povo tem muita necessidade de ser ouvido, ainda mais em termos de fé. É uma necessidade urgente o combate ao clericalismo, ao autoritarismo, porque deles resultam outros problemas. Isso ficou claro, por exemplo, na etapa continental do Sínodo, da qual participei em Brasília, que reuniu Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. O grande pedido lá foi, em primeiro lugar, a questão do clericalismo, a urgência de ouvir as comunidades, dar atenção àquilo que de fato vem da base. Outro grande questionamento foi em relação aos jovens, ou seja, como fazer a juventude retornar à Igreja. No pós-pandemia, todos sentimos essa ausência. Tem mais uma questão, de outro grupo que está muito dentro da Igreja: as mulheres. Então o questionamento é: como tratar a questão da ministerialidade? Isso basta para que as mulheres se sintam mais incluídas dentro da Igreja? Teríamos que pensar no alargamento das pessoas qualificadas para presidir a eucaristia, incluindo as mulheres? São questões que estão aí e a gente pensa que com o trabalho de participação que está sendo feito, teremos alguma resposta. Mas ainda há outra questão importante nesse pensamento sinodal. Parece que a Igreja deveria repensar as consequências práticas de uma Igreja mariológica. Vamos dizer assim: hoje, quem preside a Eucaristia são homens, celibatários, e o grande argumento é que Jesus teve apóstolos homens. Numa visão mariológica da Igreja, isso não deveria ser diferente? Trata-se de uma questão teológica, que precisa, com certeza, ser aprofundada. O método que vai ocupar o Sínodo, é o chamado método da escuta espiritual. Então, é a oração, o discernimento inicial, as preocupações, as provocações, as luzes, as sombras e assim por diante. Depois, sempre em espírito de oração, vai-se discernindo pouco a pouco as grandes questões e aquilo que deverá ser oferecido ao santo padre para algum eventual documento final.
F72: E a Igreja no Paraná está atenta a todas essas grandes questões que o senhor relacionou?
Dom Geremias: Sim, acho que a Igreja no Paraná está bastante incluída nessas grandes questões, inclusive em relação aos abusos. Tenho certeza que todas as nossas dioceses estão envolvidas em elucidar situações, orientar nossos padres, educar nossos padres e chamar a atenção em situações de perigo. É importante que nossos padres tenham uma boa educação intelectual, espiritual e humana. O padre tem que ser capacitado, com equilíbrio, em todos os sentidos, porque o equilíbrio humano-afetivo, uma boa espiritualidade, a visão de Deus, o papel de Nossa Senhora, tudo isso influencia a vida do padre. Quando se chega ao ápice do problema, que é exatamente a questão dos abusos, é porque há falhas na base. Por aí vai em grande parte a Igreja em saída, mas ao mesmo tempo uma educação mais qualificada para que esses problemas deixem de existir na totalidade, que é uma orientação do Papa Francisco, como já era de Bento (Papa Bento XVI). Vamos usar uma expressão que é bem brasileira: tolerância zero.
F72: Dom Geremias, há uma grande expectativa em relação ao Sínodo. O senhor está otimista em relação aos resultados, como forma de renovar nossa Igreja?
Dom Geremias: Acho que estão sendo dados passos importantes. Alguns querem criticar, dizendo que o Papa Francisco já teria tudo na cabeça e estaria apenas maquiando, mas eu não acredito. O Papa está com sinceridade, ouvindo. O trabalho para isso tem sido imenso. Aqui na América Latina, onde tenho acompanhado o trabalho mais de perto, encerramos recentemente quatro grandes encontros, a chamada etapa continental, quando discutimos todas essas questões que acabamos de falar, que estão muito presentes nas reflexões eclesiais dos nossos tempos. Eu tenho muita confiança. Agora vamos ver como o Papa vai trabalhar tudo isso, se num único documento, o que acho difícil, e o que vai trabalhar primeiro: será a questão da ministerialidade? A questão, mais uma vez desses abusos, dos abusos sexuais mesmo? Do autoritarismo ou de um envolvimento maior do laicato nas questões administrativas da Igreja? O Sínodo está sendo um sinal do mundo. Estamos ouvindo clamores do mundo inteiro. Não são só clamores de fé, de religião, mas também clamores que envolvem outras áreas – o clamor do meio ambiente, da corrupção, do tráfico de entorpecentes, da imigração. São todas questões que vão entrando meio de carona nessa questão eclesiológica que estamos vivendo. E tenho a certeza que o Papa terá condições de prosseguir seu trabalho com fortes argumentos e colaborar muito com o futuro da humanidade.
As jornalistas Sandra Nassar e Cristiane Dubena entrevistaram Dom Geremias no formato virtual.
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