Jornalista da Amazônia defende protagonismo local
- Joka Madruga

- há 7 dias
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Em entrevista exclusiva, Rosiene Carvalho, com 20 anos de experiência na região, analisa os desafios do jornalismo amazônico, a cobertura ambiental e a necessidade de desconstruir estereótipos

Em parceria com Vigília Comunica
MANAUS – Com duas décadas de experiência cobrindo política, crises penitenciárias e sanitárias no Amazonas, a jornalista Rosiene Carvalho defende que a imprensa precisa urgentemente rever sua abordagem sobre a Amazônia. Em entrevista ao Fraterno72.net durante o 14º Mutirão Brasileiro de Comunicação, promovida pela CNBB, ela criticou o que chama de "visão colonial" ainda predominante na cobertura jornalística, que ignora a complexidade da região e desqualifica o trabalho de profissionais locais.
"Algumas vezes a gente acaba reproduzindo pela má formação, inclusive universitária, das referências que a gente tem de jornalismo e de cobertura da Amazônia, o modelo colonial sobre a gente", afirmou Carvalho, que atua como repórter no estado do Amazonas e apresenta um programa de entrevistas na rádio Band News FM Difusora, em Manaus.
A complexidade ignorada
A jornalista destacou que a simples dimensão territorial da Amazônia já exige um olhar com mais nuance. "Se a gente considerar só o estado do Amazonas, a gente vai entender que a extensão territorial é maior do que toda a região Nordeste. Então, quando você vai olhar para a região Nordeste, vai tratar de política, vai tratar de representatividade política, de soluções de conflitos, você não pode ir com uma proposta única", comparou.
Ela ressaltou que as características geográficas únicas da região são frequentemente vistas como um problema, quando na verdade representam uma forma distinta de organização social. "Parece que é ruim que as nossas conexões sejam pelos rios. Não é, não é. Os povos e sua ciência já têm dados e nos demonstram claramente".
Carvalho citou pesquisas arqueológicas sobre a terra preta como exemplo do avanço das civilizações ancestrais da Amazônia. "Algumas áreas que a gente considera mata virgem foram áreas modificadas pelos povos ancestrais. Modificadas por um modo de vida que inclusive sustenta a vida em Manaus, por exemplo".
O jornalismo local sob pressão
Segundo a repórter, os jornalistas que atuam na região amazônica enfrentam múltiplas pressões. "O jornalista local, ele é muito importante. Ele que está ali diariamente, ele corre os maiores riscos. Esse jornalismo precisa ser valorizado, precisa ser compreendido de uma outra maneira. Mas nós estamos encurralados o tempo todo, né? Pela censura, pela pressão e pela visão que ou nos invalida, ou nos invisibiliza, ou nos incapacita".
Ela relatou episódios de desrespeito à expertise local, como quando recebeu de um veículo especializado em Amazônia um manual de como deveria conversar com os amazonenses. "Será que eu moro aqui há 44 anos, nasci, fui criada aqui, não sei conversar com os meus iguais? É arrogante, é arrogante a manutenção desse modelo".
A cobertura ambiental e a COP
Sobre a cobertura de questões climáticas, Carvalho avalia que a pauta "não tem mais como não ter atenção", mas questiona a qualidade do tratamento jornalístico. “Não sei se está tendo atenção devida. A gente está num processo talvez também de amadurecimento e de formação desse tipo de cobertura”.
Ela vê a realização da COP em Belém como significativa, apesar das limitações. “A importância de ela estar em Belém, mesmo com a sua desestrutura, é exatamente essa. Talvez, eu acredito que isso seja importante, que o tipo de cobertura de Amazônia, tanto local quanto nacional, possa sofrer alguns constrangimentos”.
Protagonismo indígena e novas narrativas
Os movimentos indígenas na Amazônia estão alcançando vitórias políticas significativas através de estratégias que combinam ocupações, uso das redes sociais e pressão direta sobre instituições.
Segundo a jornalista, lideranças como Alessandra Munduruku têm demonstrado sofisticação política ao desmentir publicamente autoridades e conseguir reverter decisões. “Aquilo é inédito, é uma vitória política, estratégica, porque é uma mulher inteligente que também entende de política, embora as pessoas pensem que os indígenas não entendem”, afirma Carvalho.
A estratégia inclui desde ocupações de sedes do governo até o fechamento de rodovias como forma de pressionar por direitos. “Logo depois desse confronto, ela vai com seu grupo indígena e fecha duas BRs no Pará”, relata a jornalista.
Um exemplo citado foi o caso em que o governador do Pará, Helder Barbalho, anunciou em vídeo ter resolvido questões com indígenas, mas foi publicamente desmentido por Alessandra. “Ela desmentiu ele e pronto, ele teve que engolir, teve que recebê-la”, conta Rosiene.
A pressão também chegou ao STF, onde o ministro Gilmar Mendes recebeu as lideranças após protestos. “Ela disse: só vamos sair daqui quando o Gilmar Mendes nos receber. E aí ele recebeu os indígenas”, relata a jornalista.
Para Rosiene Carvalho, esses episódios mostram que os movimentos indígenas "conseguiram compreender pela pauta social, pelas ruas, que os movimentos sociais têm que retomar isso" como forma eficaz de garantir seus direitos.
Desafios na prática jornalística
Carvalho explicou como precisa adaptar sua abordagem jornalística para diferentes contextos culturais dentro da Amazônia. "Como jornalista política, o meu desafio para manter essa independência toda e fazer jornalismo de bastidor, jornalismo opinativo, é ter uma relação de proximidade com a fonte, de credibilidade".
"No entanto, eu não conseguiria ter fonte entre os indígenas mantendo a minha mesma lógica de distanciamento, porque o indígena é desconfiado, a maioria das lideranças que eu tive contato, se ele não sentar contigo na mesma mesa e não olhar no teu olho, você não comer a comida dele, você não beber da bebida dele, você não tem partilhas com ele, não vai conseguir acesso".
Perspectivas para o futuro
Questionada sobre como frear o avanço de atividades predatórias na Amazônia, a jornalista foi realista: “Eu penso que se não for a mobilização mesmo da sociedade, tentativa de convencimento, de fazer as conexões necessárias, vai ser muito complicado barrar tudo isso”.
Em meio a um cenário político complexo e ao avanço de pautas conservadoras, a ministra Marina Silva emerge como uma estrategista fundamental na defesa do meio ambiente. A avaliação é da jornalista Rosiene Carvalho, que atua há 20 anos na cobertura da Amazônia.
Segundo a jornalista, a capacidade da ministra de reverter ataques em favor de sua pauta demonstra sua expertise política. “Ela é tão estratégica, tão inteligente que, no momento em que foi agredida, reverteu a seu favor. Eles passaram da conta com a agressividade e a misoginia”, analisa Rosiane.
A profissional destaca que, mesmo sob pressão, Marina Silva mantém o foco na agenda ambiental. “Na primeira entrevista após o ataque, ela falou brevemente sobre misoginia, mas na sequência focou na pauta ambiental. Ela sabia que tinha uma audiência ampla e não podia tratar apenas dela mesma”, observa.
O contexto político, no entanto, apresenta desafios dentro do próprio governo. Rosiene lembra que até presidentes regionais do PT defendem a mineração em terras indígenas. “Há uma série de interesses inclusive na esquerda. O presidente do PT no Amazonas fala abertamente que defende a mineração em terra indígena há mais de uma década”, relata.
Para a jornalista, as ações da ministra representam uma estratégia de contenção de danos. “O que eu percebo na Marina Silva, com a BR-319 por exemplo, é um ganho de tempo, manobras políticas para tentar minimizar os efeitos, não deixar só a boiada passar”, explica.
Rosiene finaliza com um alerta: “Se não for a mobilização da sociedade, vai ser muito complicado barrar tudo isso. O que se faz em pontos estratégicos talvez seja uma contenção de perdas”.














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