Fomos criados para o amor
Amar é completar e construir
A liturgia deste fim de semana nos coloca diante de uma questão: para quê Deus criou os seres humanos? Ora, a resposta só poder ser uma: viver o amor. Amar e ser amado é o que Deus espera de nós, afinal de contas, “Deus é amor” (1Jo 4, 8).
Antes de tudo, é importante ter em mente que a finalidade do livro dos Gênesis não é científica ou histórica, mas sim teológica. Em outras palavras, não podemos tomar o texto ao pé da letra como verdade absoluta, mas sim, compreender um mistério bem maior acerca da criação: independentemente de como, mais vale saber quem foi o criador de tudo; este, certamente, é Deus. Nesse sentido, a primeira leitura, cheia de poesia, narra uma história da criação. Deus criou o homem e a mulher e colocou-os um ao lado do outro para se amarem; e, para se compreender isto, é necessário observar alguns detalhes da narrativa bíblica.
“Tirou-lhe uma das costelas...” (Gn 2, 21): significa que nenhum é maior que o outro. A mulher foi tirada do lado do homem, isto é, não de baixo, para não lhe ser inferior; nem de cima, para não lhe ser superior. Do lado porque ambos são iguais em dignidade. Ademais, no ato da criação, Deus fez com que o homem caísse em sono profundo, o que significa que a criação de Eva é obra misteriosa e exclusiva de Deus, sem qualquer interferência do homem.
“E Adão exclamou: ‘Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher porque foi tirada do homem’” (Gn 2, 23): o termo “mulher” em hebraico é ‘ishah porque foi tirada do homem, que em hebraico é ‘ish. A proximidade das duas palavras sugere a proximidade entre o homem e a mulher, isto é, há uma igualdade fundamental em dignidade, embora haja também uma complementaridade. Portanto, de um modo simbólico e poético, a Sagrada Escritura quer mostrar a importância de se viver o amor genuíno entre homem e mulher, e, consequentemente, entre todas as pessoas.
A partir disso se dá o questionamento dos fariseus a Jesus, no Evangelho. A lei permitindo o divórcio é atribuída a Moises em Dt 24,1-4. Por isso que Jesus é claro ao afirmar que foi por causa da dureza de coração do povo que isto se deu, mas não por vontade divina. No tempo de Jesus, quando um homem decidia abandonar a sua esposa, o que acontecia com certa frequência, a mulher ficava em situação de muita vulnerabilidade. Assim, se ela não tivesse um documento que comprovasse o desligamento a um homem, ela era considerada adúltera, e poderia ser apedrejada, que era o castigo reservado às adúlteras (Dt 22, 22). O que Moises fez, portanto, não foi concordar com o divórcio, mas prezar pela vida da mulher, de modo que ela não fosse assassinada após ser deixada pelo marido. Tratava-se de uma situação muito desfavorável para a mulher, haja vista a concepção machista da época. Desse modo, Jesus reafirma o projeto original de Deus: o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se complementarem, para se ajudarem, para se amarem. Assim, ninguém é superior a ninguém, mas, ambos são “uma só carne” (Gn 2, 24; Mc 10, 7).
Dito isto, podemos sintetizar o amor em dois aspectos: 1) Amor é complementaridade: do mesmo jeito que não é bom que o homem esteja só, podemos afirmar que, não é bom que a mulher esteja só. Ou seja, um complementa o outro na vida matrimonial. Não significa que há algo que falte em um ou outro, mas ambos, com suas qualidades e defeitos podem contribuir para o crescimento mútuo. 2) Amor é construção: do mesmo modo que o amor surge de uma hora pra outra, pode desaparecer. É preciso que se construam juntos as atitudes que demonstram o amor um para com o outro. Afinal de contas, no começo tudo é bom, mas é o tempo que revela as fragilidades de uma vida a dois. Que estas duas características (complementaridade e construção diária) nunca saiam da mente dos maridos e das esposas. Assim, certamente, teremos famílias mais felizes, mais alicerçadas na Palavra de Deus e mais fieis ao projeto de amor.
Portanto, Adão e Eva são o modelo da humanidade que, por conta da desobediência foi ferida. Mas Cristo, ao assumir a condição humana, se fez também família em Nazaré, junto de Maria e de José. Assim, ele vem ao encontro de nossa frágil humanidade, livrando-nos da dureza de coração, e devolvendo-nos a capacidade amar e ser amado.
Assim seja. Amém!
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